sábado, 13 de maio de 2017

Onde Começa o Caminho?

Onde Começa o Caminho?
Tam Huyen Van - Ano Buddhista de 2550 - Janeiro, 2006
Um dia, um discípulo foi ao mestre Kian-fang e perguntou-lhe:
"Todas as direções levam ao caminho de Buddha, mas apenas uma conduz ao Nirvana. Por favor, mestre, diga-me onde começa este Caminho?"
O velho mestre fez um risco no chão com seu bastão e disse:
"Aqui".
Você se considera um buscador? Neste caso, o quê procura? Ou talvez eu devesse reformular a pergunta: você realmente conhece este que está buscando? Na verdade, qualquer que seja a maneira de se colocar a questão, o coração da dúvida reside no sentido e saúde da busca em si...
Quem sabe você se considere alguém que não busca nada em particular, apenas um homem ou mulher inteligente e aberto a tudo, sem preconceitos ou idéias elaboradas sobre a mística da vida: deseja apenas curtir os seus sucessos, ganhar o dia e voltar para casa sentindo-se parte deste ritmo comum de fatos conflitantes chamado "realidade". Isso também é possível - mas apenas em sua mente. A verdade chocante é que não há modo de fugir da procura; ela é onipresente e está atuando agora mesmo, sem que você faça a menor idéia. E isso é o mais assustador: a humanidade trilha uma senda inevitável, invisível para as mentes difusas que vivem apenas o cotidiano relativo do mundo. Sem saber para onde vamos, somos como um homem que olha distraído para o céu, deslumbrando-se com nuvens e esquecendo de aprender a ver melhor para onde está indo - e assim sofrendo com a sua ignorância, perdendo maravilhas.
Por outro lado, talvez você se considere um místico pesquisador, um praticante esotérico, esteja em busca da compreensão dos caminhos da magia, da santidade dos buddhas, dos segredos de Atlântida, dos portais dimensionais, do Nirvana, da fórmula para a completa Iluminação, do caminho das estrelas... Ora, isso igualmente é compreensível. Entretanto, também aqui a mente está sozinha em meio a um universo de elaborações convenientes, e o homem continua olhando para as nuvens...
Além de onipresente, a busca também é inefável; ela possui a sutileza de significados que caracteriza o drama da existência. O ponto é que, em função das várias circunstâncias pelas quais cada indivíduo percorre seu tempo e absorve suas descobertas, para muitos a onipresente e inefável busca se traveste nas estranhas metas, nos complexos argumentativos, nas várias excentricidades opinativas que criamos em nós mesmos e por nós mesmos - e que em quase todos os casos resultam em um monumental auto-engano.
Algum dia você parou seu ritmo cotidiano de atos distraídos e pensamentos inconstantes e observou como todos nós vivemos uma permanente luta de contrastes? Já procurou observar como sua própria idéia de mundo está fundamentada em crenças que, em última análise, são fórmulas de auto-afirmação daquilo que você interpreta como fatos ou anseios pessoais? A lógica imediata nos diz que não há como fugir disso, não há como sair da necessária interpretação pessoal do mundo, e portanto toda busca se resume em uma peregrinação, uma procura pelo cálice sagrado da confirmação de nossas mais acalentadas projeções. Mas isso não é correto: podemos sair deste círculo vicioso de manipulação e engano.
Somos criaturas competitivas e territorialistas. Mas ainda, nossas mentes diferenciam e confrontam realidades a cada segundo de nossas vidas. Eis porque para a maioria é tão difícil evitar o conflito de idéias e a disputa de opiniões. Nossa mente está condicionada a enxergar o óbvio diferenciador, pois queremos ganhar a disputa, queremos provar que estamos certos; e isso nos faz sempre vítimas de nossas próprias crenças. E mesmo quando falamos de coisas em comum ou nos posicionamos como pessoas de boa vontade e generosa aceitação, devemos ser cuidadosos pois o exercício da concordância precisa ser muito bem amenizado por uma predisposição a ouvir e ponderar, muito mais do que aceitar e tolerar qualquer coisa.
Nossa realidade pessoal se fundamenta em nossas certezas. E até mesmo a idéia de espiritualidade ou religião que temos, ou ainda o ceticismo e intelectualização que defendemos, estão subordinados aos nossos conceitos. E de onde vêm estes conceitos? O quê, enfim, estamos buscando ao lutar todos os dias para reafirmar nossas crenças? A cada dia você acorda de manhã, se veste das pequenas manias e ações rotineiras que formam a base de sua vida, abre a porta de sua casa e parte para o mundo. Conversa amenidades com o jornaleiro, troca idéias com seus amigos, discute sobre o melhor vestido ou qual time irá ganhar o campeonato; reza para seu deus, comunga com suas crenças, imagina-se pronto para conhecer sua alma, a física quântica ou a mais recente fofoca de televisão. Luta por sobreviver, preocupa-se com seus filhos, ou se excita em suas fantasias sexuais. Dorme e acorda para o dia seguinte, sempre renovando o ritual diário de sonhos e realidades parciais.
Mas onde começa o caminho? Onde ele está? Em quê momento, em meio a esta roda-viva a que chamamos "vida", você pára e contempla a realidade com um outro olhar, de forma a poder usufruir a liberdade mental que atingimos quando deixamos de diferenciar, dividir, opinar, disputar territórios, superficializar deliberadamente nossa existência? Se formos capazes de realizar esta mágica de compreensão sutil, então ela se manifestará claramente em nossa qualidade perceptiva, e atingiremos a paz.
Ás vezes dizemos que a prática contemplativa é por demais exigente; achamos que iremos perder o prazer, deixar de dançar em festas, fazer amor, ir à praia, beber cerveja e falar bobagens. Nossa maneira de entender o prazer é tão pouco amadurecida que realmente acreditamos em nossas pequenas manias mundanas como sendo a fonte de toda alegria que podemos obter. Mas não é o tipo da ação que determina o grau de nosso prazer, e sim a maneira de como e quando (e por quê) estas ações poderão ser feitas com real coerência, sentido e valor. E é isso que não queremos descobrir, pois o Ego teme ser aniquilado pela explosão de compreensão que se segue à experiência de libertação da mente.
Tudo que o exercício de consciência faz é posicionar melhor nosso discernimento diante dos fatos, e nos curar da dor disfarçada em prazer que nossas banalidades infligem às nossas mentes e corações, e nas mentes e corações dos outros. O problema das ações comuns é que elas carecem de consistência e qualidade, e sua serventia para nosso prazer saudável é mínima. Mas elas são sedutoras para nossos sentidos justamente porque são fáceis de obter e facilitam a ocultação de nossas reais necessidades e possibilidades. Eis porque os intelectuais céticos ou esotéricos sonhadores também são incapazes de evitar o sofrimento e a solidão: suas ações carecem da mesma qualidade vital e coerência perceptiva daquelas ações mundanas, e também disfarçam as limitações daqueles que as preconizam. Da mesma forma que os homens e mulheres boêmios, superficiais ou caçadores de emoções, aqueles que são místicos auto-iludidos, racionalizadores ou vítimas das emoções compartilham a dor de serem solitários e perdidos em si mesmos.
Assim, em meio aos fatos, fica uma constatação: apesar das crueldades e ignorâncias, das imaturidades e tolices dos homens, o Caminho ainda se mantêm aberto. Ele está sob os nossos pés, mas é crucial que saibamos enxerga-lo, pois sem isso ele apenas nos levará para um eterno retorno. Para que o caminho meditativo se mostre em toda sua potencialidade curativa, será necessário dar o primeiro passo consciente que ultrapassará a fronteira entre a ignorância e o exercício do discernimento. Não pense que o caminho lhe será apresentado sob a luz da Atlântida, pelas mãos de buddhas ou nas rezas divinas. Ele é onipresente, mas jamais revelado por livros, crenças ou deuses; ele é descoberto através da coragem daqueles que sabem pisar com firmeza em seu solo fértil, e não temem enxergar seus medos e erros ao percorre-lo aqui e agora.
Aja rápido, pois o caminho já começou para você. Deixe de fazer o que sempre faz, pare um pouco de acreditar que o prazer se traduz pelas banalidades do mundo, e pise firme no caminho da consciência de si mesmo. Mas não caia no erro de considerar estas frases um lugar-comum, um exagero místico. O trabalho de reconhecimento interno é real, o exercício de compreensão, observação e amor à vida é real. Apenas este trabalho não se faz com opiniões intelectuais ou sonhos esotéricos, ele se faz com a coragem de curar a si mesmo observando-se todos os dias, sem exceção. Na própria idéia que você tem de si, aí está o caminho: quanto mais você aprender a arte contemplativa da vida, mais adentrado estará na senda da felicidade.
Você está a apenas um passo desta bela jornada. O quê está esperando?

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