sábado, 27 de maio de 2017

A molécula de deus.



           
O DMT ou dimetiltriptamina vem de uma família de compostos análogos a serotonina, é sintetizado por todos os seres vivos e nos mamíferos a encontramos em grandes quantidades em duas horas cruciais em nossas vidas, uma é na hora de nosso nascimento, e a outra nos portais da morte.

 

            Quando os níveis orgânicos aumentam fora das condições anteriormente citadas, por ingestão intencional desta substância em dose suficiente, seja por meio da ayahuasca, do yopo, do psilocybe, do Bufo Alvarius, dentre outros, duas coisas passam a acontecer: Comunicação com entidades percebidas como externas, capazes de articular informações antes tidas como desconhecidas, identificadas através dos tempos como pessoas que já se foram, divindades diversas, alienígenas ou partes inconscientes da mente tornadas manifestas, a depender do contexto cultural; manifestação da sintaxe de nossa linguagem como um elemento visual através da transformação da fala em um instrumento capaz de criar, através do som de nossa voz, objetos ambíguos e portanto impossíveis em nossa atual percepção tridimensional: corpos que representam mais de uma forma ao mesmo tempo, trazendo para o domínio da visão as aptidões da comunicação oral para o duplo sentido.
            Em nosso entendimento ordinário não há consenso sobre a natureza dessas entidades, nem sobre as transformações simpáticas das quais elas participam, em grande parte devido a nossa hostilidade frente a presença da dimetiltriptamina. Hipotetiza-se que a DMT tenha papel importante nos sonhos: e não seriam eles formas diminutas do ato fundamental dessa substância, a transformação de idéias em imagens concretas? Talvez nossos sonhos sejam um degrau na escalada dos níveis de DMT todas as noites, após o qual adentramos no universo das triptaminas do qual nunca conseguimos nos lembrar. E de maneira a ratificar essa hipótese, há a exceção de pessoas que já utilizaram a substância e relatam lembranças de sonhos onde ocorreu uma experiência de estar nesse mundo.
            Enquanto a DMT unifica os sentidos da visão e audição ao permitir que ocorra uma comunicação visual que incorpore os elementos ambíguos do mundo extra sensorial, a escrita elimina da comunicação elementos da fala e separa os sentidos em dois universos distintos ao reduzir as palavras a seus elementos básicos, despidos de tons e variações pessoais. Sociedades que incorporam triptaminas como parte integral de sua cultura expressam a crença em espíritos naturais que controlam os ritmos dos rios e das prósperas florestas; sociedades que criaram a escrita nos cenários áridos e por vezes desérticos de seus vales julgam-se capazes de controlar, por meio de sua invenção, os ritmos de seus cenários inóspitos através da agricultura, das cidades e suas estruturas sociais. O impulso de controle da mente sobre a matéria conforme compreendido pela escrita mais que se exacerbou na civilização ocidental, onde o alfabeto, favorecido pelas condições extremas do Mediterrâneo, separou os sentidos como nenhum outro sistema de escrita. Essa separação se ampliou a níveis inéditos com a invenção do livro impresso, e mais tarde com a Revolução Industrial que possibilitou sua reprodução em massa: caracteres uniformes que divulgavam uma separação entre os sentidos com um envolvimento muito menor do que a escrita à mão.
            Antes da invenção da escrita, a humanidade vivia em uma relação de simbiose com a espiritualidade; após a sua invenção, a DMT foi relegada ao papel de mistério, um segredo de grupos restritos durante a Antiguidade, para então assumir uma posição de substância obscura ou até mesmo desconhecida durante a Idade Média, ressuscitando durante os descobrimentos guiados pelos livros impressos como heresia, transformando-se com o progresso das novas mídias elétricas dos século vinte e seguinte em uma substância mais aceita a medida que nossas tecnologias convergem em direção aos cenários apresentados pelas triptaminas: já foram formuladas várias teses do espaço virtual como um sonho, algo que assim como a experiência da DMT captura os rígidos alicerces da realidade e os transforma em uma sintaxe livre onde há irrestrita transformação pelas forças imaginativas.
            Como em tudo o que expomos ao público cabe o aviso, de que o uso leviano de todo e qualquer conhecimento pode se transformar em uma pratica considerada danosa ao seu operador inclinando-o aos vícios e qualquer outro tipo de efeito retrógrado. Nossos antepassados tiveram contato com varias substâncias hoje consideradas "drogas". A hipocrisia social imperante nos impede de ver que a "dependência química", é algo novo, por ser filha da falsamente chamada "Ordem social" !

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