Não é o fato sexual nos seus aspectos grosseiros e físicos que o constitui. E uma vez que nos referimos essencialmente ao homem, o que é posto em causa é o fenômeno mais vasto e mais complexo do amor. Impõe-se, como é natural, estabelecer imediatamente uma delimitação, pois é possível falar de amor num sentido genérico, dado que existe o amor pelos pais, pela beleza, pela pátria, o amor maternal, etc.; existe também uma concepção ideal ou sentimental do amor em que este se esfuma no simples afeto, na comunhão humana intersexual, ou nas afinidades intelectuais. Para concretizarmos a nossa idéia convém, pois, utilizar o conceito mais limitado de amor sexual. Examinaremos, assim, uma experiência humana que pode compreender um conjunto de fatores psíquicos, afetivos, morais e mesmo intelectuais, que excedem o domínio biológico, mas que têm por centro natural de gravidade a união efetiva de dois seres do sexo oposto, tal como ela se efetua habitualmente no ato sexual.
Fizeram-se, com efeito, distinções entre as diversas formas de amor humano. É bem conhecida a que foi utilizada no século XIX, por Stendhal, dum amor-paixão, dum amor de ordem principalmente estética e de gosto, dum amor físico, e dum amor baseado na vaidade. Esta distinção dificilmente pode utilizar-se, pois baseia-se, em parte, em elementos periféricos que aparecem disjuntos de toda a experiência profunda, no momento em que um deles, não importa qual, se torna o fator verdadeiramente predominante; trata-se, em parte, simplesmente de distinguir os diferentes aspectos do fenômeno erótico tomado no seu conjunto. O amor que pode interessar ao nosso estudo é essencialmente o amor-paixão — pois este, afinal, é o único que merece o nome de amor. A este tipo de sentimento poderia aplicar-se a definição de Bourget de que «existe um estado mental e físico durante o qual tudo fica obliterado em nós, no nosso pensamento, no nosso coração e nos nossos sentidos. Chama-se amor a este estado» (1). O amor físico no sentido indicado por Stendhal pode apresentar-se como uma variedade distinta de amor, com a condição de se pressupor um processo de dissociação e de «primitivização», e constitui, em geral, parte integrante do amor--paixão. Considerado separadamente representa o limite inferior deste último, conservando, sempre, porém, a sua natureza.
De um modo geral, importa-nos fixar aqui este ponto fundamental: a diferença entre a nossa concepção e a concepção «positivista» está na interpretação diferente, não física ou biológica, do significado da união sexual, porque à parte este fato nós vemos igualmente nesta união o fim essencial e a conclusão de toda a experiência baseada na atração entre os sexos, o centro de gravidade de cada amor.
No amor, as afinidades ideais, a devoção e a afeição, o espírito de sacrifício, as manifestações elevadas do sentimento, podem representar um papel importante; contudo, do ponto de vista existencial, tudo isto representa qualquer coisa de «diferente», ou qualquer coisa de incompleto se, em contrapartida, não existir essa atração que costuma chamar-se «física» e cuja conseqüência é a união dos corpos e o traumatismo do ato sexual. É neste momento que se obtém, por assim dizer, o precipitado, a passagem ao ato e à consumação num ponto culminante ou climax, que é o seu terminus ad quem natural, de todo o conjunto da experiência erótica propriamente dita. Quando através da atração «física» surge o impulso sexual, movem-se, no ser, os estratos mais profundos, camadas estas existencialmente elementares em relação ao simples sentimento. O amor mais elevado entre os seres de sexo diferente é, de certo modo, irreal, sem essa espécie de curto-circuito cuja forma de aparição mais grosseira é o climax do orgasmo sexual, competindo-lhe, contudo, delimitar a dimensão transcendente e não individual do sexo. É verdade que um amor puro pode também transcender o indivíduo — através, por exemplo, da dedicação contínua e absoluta e de toda a espécie de auto-sacrifício; porém, somente como uma disposição espiritual que só poderá frutificar concretamente num outro plano: não numa experiência através dum ato, não numa sensação, mas quase que numa fratura real do ser. No domínio a que nos referimos, as camadas profundas do ser só são, repetimo-lo, atingidas e ativadas da união efetiva dos sexos.
Por outro lado, o fato de estarem geralmente ligadas à sexualidade a simpatia, a ternura e outras formas de amor «não material», não representa muitas vezes senão sublimações, transposições ou desvios regressivos infantis — e esta é uma idéia que podemos inscrever no ativo das pesquisas psicanalíticas e que não devemos esquecer.
Deveremos, todavia, tomar posição contra a concepção que considera a passagem do amor sexual ao amor de características principalmente afetivas e sociais, baseado na vida a dois, com matrimônio, família, descendência, etc., como um progresso e um enriquecimento. Existencialmente, tudo isto não apresentará um sinal mais, mas sim um sinal menos, ou seja, uma queda intensa de nível. Nestas formas perde-se, ou mantém-se somente por reflexo, o contato, embora obscuro, com as forças primordiais. Como veremos adiante, um amor colocado neste plano — o plano nietzschiano «demasiadamente humano» — não passa dum sucedâneo. Com ele o homem cria, do ponto de vista metafísico, uma solução ilusória para essa necessidade de confirmação e de integração ontológica que constitui o fundo essencial e inconsciente do impulso do sexo. Schiller escreveu: «A paixão passa, o amor deve ficar.» Não poderemos ver nisto senão um pis-aller (2) e um dos dramas da condição humana, pois só a paixão poderá conduzir ao «momento fulgurante da unidade».
Fizeram-se, com efeito, distinções entre as diversas formas de amor humano. É bem conhecida a que foi utilizada no século XIX, por Stendhal, dum amor-paixão, dum amor de ordem principalmente estética e de gosto, dum amor físico, e dum amor baseado na vaidade. Esta distinção dificilmente pode utilizar-se, pois baseia-se, em parte, em elementos periféricos que aparecem disjuntos de toda a experiência profunda, no momento em que um deles, não importa qual, se torna o fator verdadeiramente predominante; trata-se, em parte, simplesmente de distinguir os diferentes aspectos do fenômeno erótico tomado no seu conjunto. O amor que pode interessar ao nosso estudo é essencialmente o amor-paixão — pois este, afinal, é o único que merece o nome de amor. A este tipo de sentimento poderia aplicar-se a definição de Bourget de que «existe um estado mental e físico durante o qual tudo fica obliterado em nós, no nosso pensamento, no nosso coração e nos nossos sentidos. Chama-se amor a este estado» (1). O amor físico no sentido indicado por Stendhal pode apresentar-se como uma variedade distinta de amor, com a condição de se pressupor um processo de dissociação e de «primitivização», e constitui, em geral, parte integrante do amor--paixão. Considerado separadamente representa o limite inferior deste último, conservando, sempre, porém, a sua natureza.
De um modo geral, importa-nos fixar aqui este ponto fundamental: a diferença entre a nossa concepção e a concepção «positivista» está na interpretação diferente, não física ou biológica, do significado da união sexual, porque à parte este fato nós vemos igualmente nesta união o fim essencial e a conclusão de toda a experiência baseada na atração entre os sexos, o centro de gravidade de cada amor.
No amor, as afinidades ideais, a devoção e a afeição, o espírito de sacrifício, as manifestações elevadas do sentimento, podem representar um papel importante; contudo, do ponto de vista existencial, tudo isto representa qualquer coisa de «diferente», ou qualquer coisa de incompleto se, em contrapartida, não existir essa atração que costuma chamar-se «física» e cuja conseqüência é a união dos corpos e o traumatismo do ato sexual. É neste momento que se obtém, por assim dizer, o precipitado, a passagem ao ato e à consumação num ponto culminante ou climax, que é o seu terminus ad quem natural, de todo o conjunto da experiência erótica propriamente dita. Quando através da atração «física» surge o impulso sexual, movem-se, no ser, os estratos mais profundos, camadas estas existencialmente elementares em relação ao simples sentimento. O amor mais elevado entre os seres de sexo diferente é, de certo modo, irreal, sem essa espécie de curto-circuito cuja forma de aparição mais grosseira é o climax do orgasmo sexual, competindo-lhe, contudo, delimitar a dimensão transcendente e não individual do sexo. É verdade que um amor puro pode também transcender o indivíduo — através, por exemplo, da dedicação contínua e absoluta e de toda a espécie de auto-sacrifício; porém, somente como uma disposição espiritual que só poderá frutificar concretamente num outro plano: não numa experiência através dum ato, não numa sensação, mas quase que numa fratura real do ser. No domínio a que nos referimos, as camadas profundas do ser só são, repetimo-lo, atingidas e ativadas da união efetiva dos sexos.
Por outro lado, o fato de estarem geralmente ligadas à sexualidade a simpatia, a ternura e outras formas de amor «não material», não representa muitas vezes senão sublimações, transposições ou desvios regressivos infantis — e esta é uma idéia que podemos inscrever no ativo das pesquisas psicanalíticas e que não devemos esquecer.
Deveremos, todavia, tomar posição contra a concepção que considera a passagem do amor sexual ao amor de características principalmente afetivas e sociais, baseado na vida a dois, com matrimônio, família, descendência, etc., como um progresso e um enriquecimento. Existencialmente, tudo isto não apresentará um sinal mais, mas sim um sinal menos, ou seja, uma queda intensa de nível. Nestas formas perde-se, ou mantém-se somente por reflexo, o contato, embora obscuro, com as forças primordiais. Como veremos adiante, um amor colocado neste plano — o plano nietzschiano «demasiadamente humano» — não passa dum sucedâneo. Com ele o homem cria, do ponto de vista metafísico, uma solução ilusória para essa necessidade de confirmação e de integração ontológica que constitui o fundo essencial e inconsciente do impulso do sexo. Schiller escreveu: «A paixão passa, o amor deve ficar.» Não poderemos ver nisto senão um pis-aller (2) e um dos dramas da condição humana, pois só a paixão poderá conduzir ao «momento fulgurante da unidade».
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