quarta-feira, 17 de maio de 2017

Deus ?

Para algumas pessoas, a idéia de um Deus transcendente que cria e provavelmente controla o Universo a partir de um local privilegiado fora das leis da física, além do espaço e do tempo, continuará sempre convidativa. Não há nada que os impeça de imaginar que esse Deus precedeu — e provavelmente criou — o Big-Bang. Esta é uma posição perfeitamente sustentável, embora nos deixe com um Deus que não sofre, Ele mesmo, nenhuma transformação criativa, que não está em diálogo com Seu mundo, e tudo isso deve continuar sendo inteiramente uma questão de fé. Partindo-se da nossa tese do Big-Bang, não há como sabermos quem ou o que o precedeu.

Mas, se pensarmos em Deus como algo inserido nas leis da física, ou algo que as emprega, então o relacionamento entre o vácuo e o Universo existente sugere um Deus que poderá ser identificado com o sentido básico de direção na expansão do Universo — talvez até com uma consciência em evolução dentro do Universo. A existência de um tal “Deus imanente” não impede que também exista um Deus transcendente; no entanto, devido ao que conhecemos do Universo, o Deus imanente (ou o aspecto imanente de Deus) nos é mais acessível.

Esse Deus imanente estaria sempre empenhado num diálogo criativo com Seu mundo, conhecendo-Se a Si mesmo apenas na medida em que conhece Seu mundo. Este é o conceito de Deus proposto com grande força neste século por Teilhard de Chardin, e mais recentemente pela “teologia do processo”, e é um conceito em termos do qual torna-se razoável falar de seres humanos
— com nossa física da consciência que espelha a física do vácuo coerente — concebidos à imagem de Deus, ou como parceiros da criação de Deus. Nas palavras de Teilhard:

Não estamos preocupados apenas com o pensamento como algo que participa da evolução como uma anomalia ou um fenômeno; mas a evolução como algo tão reduzível ao pensamento, e tão identificável com um progresso em direção ao pensamento, que o movimento de nossas almas expressa e mede os exatos estágios da própria evolução. O homem descobre que ele não é senão a evolução que se tornou consciente de si mesma, para usar a expressão concisa de Julian Huxley.

Como o estado fundamental da consciência humana, que é coerente mas “desinteressante” em si mesmo — sem características —, o vácuo quântico coerente contém em si todas as potencialidades, mas só pode realizar tais potencialidades através das flutuações em seu interior, excitações que conduzem ao nascimento de partículas e seus relacionamentos. Em nós, tais excitações dão origem a pensamentos. Nossos pensamentos são o aspecto “interessante” e criativo da consciência, mas essas qualidades são adquiridas à custa de uma separação do estado básico coerente. O mesmo se dá com as partículas.

Vimos, porém, que o impulso evolucionário básico do Universo, ou ao menos daquele aspecto do Universo que resulta nos sistemas vivos e na consciência humana, é em direção a mais e maior coerência ordenada. Portanto, assim que as partículas (bósons) se separam do estado básico coerente do vácuo, sucede-se um longo e lento processo de redescoberta (uma redescoberta criativa em parceria com os férmions) de uma nova coerência.

Nós, seres humanos, com nossa necessidade de formar um mundo coerente, contribuímos muito para o fomento desse processo de coerência em evolução, primeiro.

Ao menos, toda potencialidade consciente; talvez o mundo da matéria brote de um campo incoerente dentro do vácuo como espécie, depois como indivíduos e finalmente através de nossos relacionamentos e nossa cultura. Cada qual é um estágio avançado na criação de maior coerência ordenada, e em cada estágio de sua evolução, poderíamos especular, este processo estaria, em si, em diálogo com o vácuo (Deus?), sendo expresso como mais flutuações em seu bojo. As experiências místicas são por vezes descritas como se espelhassem tal diálogo.

Novamente, em termos religiosos, o impulso básico em direção à maior coerência ordenada pode ser visto como a base física da graça, aquilo que nos permite, através do relacionamento, transcender a individualidade (a queda) e voltar à unidade (Deus).

Em termos judaicos, o relacionamento salvador é o povo de Israel (a Lei); para os cristãos, o corpo de Cristo. Em termos quânticos mais amplos, é o processo de sobreposição e entrada em correlação não-local um com o outro (e um com o mundo do outro) como sistemas quânticos semelhantes — ver, sentir e tornar-se parte desse processo.

Jung conta a história de uma crença dos índios pueblos dos Estados Unidos. Segundo a crença, eles são filhos do Sol, e sendo assim é seu papel cumprir a obrigação diária de promover um ritual que ajuda o pai Sol a atravessar o céu. Eles têm esse dever como uma séria responsabilidade e sentem que a desempenham para benefício de todo mundo. Como diz Jung sobre essa crença:

Então percebi em que repousava a “dignidade”, a serena compostura do índio individual. Ela nasce do fato de ele ser um filho do Sol; sua vida é cosmologicamente significativa, pois ele auxilia o pai e preservador de toda a vida em sua ascensão e descida diárias. Se colocarmos ao lado disso nossas justificativas, o significado de nossas vidas como formulado por nossa razão, é impossível deixar de ver nossa pobreza. Compreender as origens básicas da consciência e nosso próprio papel em sua evolução poderá ajudar a transcender essa pobreza.

Porque todo o processo evolucionário da vida descrito é um processo quântico, espera-se que ele tenha muitas “transições virtuais” ou “testes” probabilísticos. O processo que nos leva como elo vital na corrente da consciência em evolução (coerência ordenada em evolução) poderá, no fim das contas, não ser um dos que sobreviverão. Nosso sucesso ou insucesso como parceiros no drama evolutivo estaria sujeito à mesma “limitação natural” que o sucesso ou insucesso de nossa ética ou estética. Se nossa existência leva a mais e maior coerência ordenada no Universo, teremos sucesso enquanto espécie, caso contrário, fracassaremos. Somos, nesse meio tempo, uma tentativa, uma onda probabilística no lago; porém, mesmo em tal condição, deixaremos nossas marcas. “Pois as transições virtuais têm muitos efeitos reais…”


Do livro: O Ser Quântico, de Danah Zohar

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