domingo, 28 de maio de 2017

Magia Sexual



A Magia Sexual, conhecida no Oriente como Tantra, é a prática ritualística desenvolvida através das energias canalizadas do corpo físico, da mente e do espírito humano. O ato de criar outras vidas através de relações sexuais e instituir uma força, ou um vínculo energético entre as pessoas envolvidas, é visto como místico e sagrado.
Como outras modalidades de Magia, a Magia Sexual também é um recurso usado como fonte do poder que fortalece as cerimônias ritualísticas e para obter o auto-conhecimento através da exploração do próprio corpo, psique e alma. A Magia Sexual é uma das faces mais importantes da Magia moderna.
Utilizada tanto nas escolas ocidentais como nas orientais, sua origem nos remete às práticas das crenças pré-cristãs, sendo que os primeiros registros datam de 3000 a.C.. A Antiga Religião da Europa baseava-se em ritos de fertilidade para assegurar a proliferação de animais, plantas e humanos. O conceito pagão da atividade sexual era saudável e natural. Era a mais poderosa energia que os humanos podiam experimentar através dos próprios sentidos, com a manifestação afetiva de um indivíduo ou simplesmente a ação de compartilhar prazer e desejo carnal com outra pessoa. Assim, mulheres consagradas serviam aos deuses em templos, o homossexualismo e o heterossexualismo eram apenas definições das preferências sexuais, etc.
Existem dois canais de energia no corpo humano que estão associados ao sistema nervoso central e à medula espinhal, conhecidos no Ocidente como Lunar e Solar ou Feminina e Masculina (receptiva/negativa e ativa/positiva). Geralmente, entre os não-praticantes da Magia Sexual, apenas uma das correntes de energia está aberta e fluindo. Entre as mulheres, apenas a corrente lunar flui desimpedida. Entre os homens, apenas o canal solar está realmente livre. No caso dos homossexuais, essa situação está invertida. Em todas as situações, este fato causa um desequilíbrio e influencia negativamente várias esferas da vida humana.
Portanto, segundo este raciocínio, o estado sexual natural é a bissexualidade, em que ambas as correntes fluem juntas em harmonia. A alma que habita o corpo físico não é masculina nem feminina. Desse modo, o sexo é meramente uma circunstância física. O fluxo harmonioso das correntes no corpo é simbolizado pelo antigo símbolo do Caduceu.
Um dos maiores divulgadores da Magia Sexual contemporânea ocidental é Aleister Crowley, através da doutrina do Thelema. Posteriormente, diversas escolas iniciáticas a adotaram e adaptaram de acordo com a própria filosofia. Porém, os princípios básicos permanecem inalterados. Na Índia, ainda é uma das práticas mais utilizadas no hinduísmo.
Apesar de (teoricamente) compor vários sistemas mágicos, atualmente, a maioria das tradições não incorpora a Magia Sexual em suas atividades. Isto se deve a opção pessoal dos praticantes (inibição e preocupações com as doenças sexualmente transmissíveis) e a pressão social de uma cultura judaico-cristã, onde o sexo é visto como algo pecaminoso e polêmico. Deste modo, nos ritos sexuais modernos, são usadas representações simbólicas dos antigos elementos da fertilidade, sejam objetos que representem os genitais ou apenas uma dança ou encenação erótica.


Sagrado Feminino

Nas antigas crenças pagãs, os pólos femininos da criação eram reverenciados como sagrados e a mulher era vista como o principal canal gerador de vida. A Deusa era a divindade principal, responsável pela criação de todas as formas viventes. Dessa forma, os ritos que envolviam Magia Sexual, utilizavam-se de mulheres e do sangue menstrual como elementos principais do Altar Cerimonial.
O altar sagrado é formado por uma mulher que se deita de costas, nua, com as pernas dobradas e afastadas (de forma que os calcanhares toquem as nádegas). Um cálice é colocado diretamente sobre seu umbigo, ligando-o ao cordão umbilical etéreo da Deusa, a qual é invocada em seu corpo. Derrama-se o vinho sobre o cálice. O Sumo Sacerdote pinga três gotas de vinho, uma no clitóris e uma em cada mamilo, traçando uma linha imaginária que forma um triângulo no corpo feminino, tendo o útero como centro. Segue-se um beijo em cada ponto, enquanto a invocação é recitada.


Fluidos Mágicos

Os fluidos produzidos no corpo humano de forma natural ou através da estimulação sexual, também são utilizados nas cerimônias herdadas dos povos antigos que envolvem a Magia Sexual, e são empregados para um determinado objetivo.
O vinho ritual continha três gotas do sangue menstrual da Suma Sacerdotisa do clã, que unia magicamente os celebrantes nesta vida e nas próximas encarnações. Os caçadores e guerreiros eram ungidos com pinturas ritualísticas que continham sangue menstrual. Acreditava-se que ao unir o sangue de duas pessoas, criava-se um vínculo entre ambas. Ungir os mortos com o sangue era uma forma de assegurar o retorno à vida. O sêmen era considerado energia canalizada que vitaliza o praticante que o recebe. Ainda, o estímulo dos mamilos faz com que a glândula pituitária secrete um hormônio que ativa as contrações uterinas. Isso ativa o fluxo de certos fluidos através do canal vaginal.


Criança Mágica

A criança mágica é um termo utilizado na Magia Sexual ocidental para designar uma imagem no momento do orgasmo. Neste caso, a energia sexual não é liberada como no ato sexual tradicional, mas inibida por períodos prolongados e canalizada através da mente para que se manifeste numa forma de pensamento mágico, formando uma imagem astral durante o orgasmo.
Para esta atividade, é necessário que o praticante tenha desenvolvido a arte da concentra-ção/visualização e um controle firme sobre a própria força de vontade pessoal, de forma que no momento do orgasmo, não haja nada mais na mente que a imagem que deseja ver criada. Se estiver incompleta ou difusa, é possível que interferências negativas se manifestem e passem a consumir a energia sexual do praticante. Este conceito é uma das bases na crença dos Sucubus.


Pancha Makara

A corrente oriental da Magia Sexual, chamada Tantra, é dividida em cinco categorias de aplicações distintas conhecidas como Cinco M ou Pancha Makara, que em sua maioria, são canalizados no campo físico (Caminho da Mão Esquerda) e outro simbólico (Caminho da Mão Direita). O Pancha Makara recebe interpretações diferenciadas nas cerimônias praticadas nas correntes do Ocidente, ou em algumas situações, são adaptadas ou omitidas.

Madya Sadhana
A palavra Madya significa Licor e este princípio está relacionado à aplicação do Caminho da Mão Direita com uso adequado de estimulantes que ativam o sétimo chakra, Sahastrara, considerado o último nível de evolução da consciência humana e responsável pela integração dos outros chakras.

Mamsa Sadhana
O termo Mamsa pode ser traduzido como carne e significar que este princípio está associado ao uso ritualístico de carne. Também pode ser compreendido como fala (do verbo falar) e ser interpretado como uma invocação ou um mantra. Em quaisquer dos casos, está associado ao Caminho da Mão Esquerda (Físico).

Matsya Sadhana
Matsya significa peixe. Este princípio é usado tanto no aspecto físico como no simbólico. É visto como um fluxo psíquico que corre através dos canais da espinha dorsal, ou minoritariamente, como o consumo ritual de peixe num banquete ou Eucaristia.

Mudra Sadhana
Este é o mais conhecido fora dos círculos tântricos e é utilizado de maneira similar nos Caminhos Esquerdo/Direito. Representa o uso de posições específicas do corpo (especialmente da mão) para simbolizar ou encarnar certas forças, além de efetuar mudanças na consciência.

Maithuna Sadhana
A palavra Maithuna refere-se a união sexual. Este princípio, que atua tanto no aspecto físico como simbólico, está relacionado primitivamente com a atividade sexual. Porém, pode ser interpretado também como a atividade simbólica.

A metafísica do sexo - O Eros e o instinto de reprodução

As considerações que acabamos de tecer destinam-se a indicar o nível de intensidade da experiência erótica, o qual pode, se excluirmos as formas  desagregadas ou incompletas desta experiência, apresentar verdadeiro interesse para o nosso estudo. Quanto ao restante, assim como tomamos posição contra a sexologia de orientação biológica apresentando uma crítica que será desenvolvida mais adiante, também, e para evitarmos qualquer equívoco, acusaremos de erro todos aqueles que, recentemente, quase que num regresso à polemica de Rousseau contra a «cultura» em nome da «natureza», se puseram a pregar uma espécie de nova religião naturalista do sexo e da carne. O representante mais característico desta tendência  é D. H. Lawrence. O seu ponto de vista pode resumir-se nas palavras de Aldous Huxley, em «Ponto e Contraponto», postas na boca de Campion, o qual afirma não serem os apetites   e   os   desejos   «naturais»   que   tornam   os   homens   tão   bestiais  acrescentando: «não, bestiais não é a palavra adequada, porque implica uma ofensa aos animais — digamos antes: humanamente maus e viciosos em demasia»: «é a imaginação, é o intelecto, são os princípios, a educação, a tradição. Deixai os instintos entregues a si próprios e eles pouco mal farão».

Os homens são, assim, considerados na sua maioria como pervertidos que estão «longe da norma central da humanidade» quer  quando  excitam a «carne»,  quer  quando  a renegam pelo espírito.   Lawrence acrescentou por conta própria: «A minha religião é a fé no sangue e na carne, que são mais sensatos do que o intelecto (3).» O que é, todavia, singular é que Lawrence escrevesse palavras tão pouco banais como as seguintes: «Deus pai, o  impenetrável, o desconhecido, nós trazemo-lo na carne e encontramo-lo na mulher. Ele é a porta pela qual entramos e saímos. Através dela voltamos ao Pai, mas fazemo-lo como aqueles que assistiram cegos e inconscientes à transfiguração»; existem, além disso, certas intuições acertadas relativamente à união que se realiza através do sangue. Aceitando o ponto de vista acima expresso cairemos, ao contrário, num equívoco desagradável, fazendo duma mutilação um ideal de salvação. Teve razão Péladan quando escreveu: «No amor, o realismo não vale mais do que na arte. A imitação da natureza, no plano erótico, torna-se a imitação do animal (4). Qualquer naturalismo tomado neste sentido só pode, com efeito, significar uma degradação, porque aquilo que para o homem, na sua condição de homem, deve ser considerado natural, não o  é de forma alguma quando este termo se aplica aos animais; é-o, ao contrário, na conformidade ao seu tipo, ao lugar que lhe compete na hierarquia global dos seres. Assim, aquilo que no homem define o amor e o sexo é um conjunto de fatores complexos que em casos determinados compreende mesmo o que, julgado segundo um critério animal, poderá parecer perversão. Para o homem, e no sentido das palavras de Campion, ser natural equivale somente a desnaturar-se. O sexo tem no homem uma fisionomia específica.

 Ele até já está liberto em larga medida — que é tanto maior quanto mais o indivíduo é diferenciado dos vínculos e dos períodos de cio que se observam na sexualidade animal (onde, de resto, e não sem razão, se verifica uma maior intensidade nas fêmeas do que nos machos). O homem pode, em qualquer momento, desejar e amar, e esta é uma característica natural do seu amor. Não é, de forma alguma, um fato artificial de «corrupção» derivado dum «desvio da natureza».

Dando um passo em frente, diremos que o fato de incluir o amor sexual nas necessidades físicas do homem deriva, igualmente, dum equívoco. Efetivamente, não existe nunca no homem um desejo sexual físico; o seu desejo é, na sua substância, sempre psíquico, e o desejo físico não passa de uma tradução e uma transição daquele. É nos indivíduos mais primitivos que este circuito se fecha rapidamente, pois na sua conseqüência está presente unicamente o ato terminal do processo, como que uma concupiscência carnal, acre e co-ativa, inequivocamente ligada  a condicionalismos fisiológicos, e, em parte, também a condicionalismos de ordem genérica que estão em primeiro plano na sexualidade animal.

Convém, neste ponto, submeter a uma crítica adequada a mitologia que a sexologia corrente emprega ao falar num «instinto de reprodução», indicando este instinto como o fato primeiro de todo o erotismo. O instinto de conservação e o instinto de reprodução seriam as duas forças fundamentais ligadas à espécie, atuando tanto no homem como nos animais. O limite duma teoria insípida e desinteressante é demonstrado por esses biólogos e psicólogos positivistas que, como o próprio Morselli chegaram a subordinar um instinto ao outro, pensando que o indivíduo se alimenta e luta pela conservação somente porque deve reproduzir-se, sendo o fim supremo a «continuidade da vida universal».

Não se trata aqui de nos determos na análise do «instinto de conservação» e de demonstrar a sua relatividade, nem de lembrar quantos impulsos podem, no homem tomado como tal, neutralizar ou contradizer este instinto, a ponto de conduzir à sua destruição ou a comportamentos que dele se abstraem completamente e que nenhuma relação têm com as «finalidades da espécie». Em certos casos é precisamente o outro instinto, o pretenso instinto de reprodução no homem ou na mulher, que pode desempenhar, entre outros, este papel neutralizante ao impedir   que se pense na própria saúde ou conservação.

Quanto ao «instinto de reprodução», representa uma explicação absolutamente abstrata do impulso sexual, dado que, psicologicamente, isto é, em relação aos dados imediatos da experiência individual vivida, essa explicação é destituída de qualquer fundamento. No homem, o instinto é um fato consciente. Mas o instinto de reprodução é inexistente como conteúdo da consciência; o momento «genésico» não figura, de modo algum, no desejo sexual como experiência, nem nos seus desenvolvimentos posteriores. O conhecimento de que o desejo sexual e o erotismo, quando conduzem à união do homem com a mulher, podem dar origem à procriação dum novo ser, não passa de um conhecimento «a posteriori», isto é, resulta dum exame exterior daquilo que a experiência, em geral, apresenta com grande freqüência em termos de correlações constantes: correlações no que se refere à fisiologia do ato sexual, como às suas conseqüências possíveis. Isto é confirmado pelo fato de  algumas populações primitivas, que não estiveram sujeitas a qualquer exame desta ordem, terem atribuído o nascimento dum novo ser a causas sem qualquer relação com a união sexual. Está, todavia, perfeitamente certo daquilo que Klages   escreveu:

«É  um  erro,  é  uma  falsificação deliberada  chamar  instinto  sexual  ao  instinto de reprodução. A reprodução é um efeito possível da atividade sexual, mas não está   de modo algum compreendida na experiência vivida da excitação sexual. O animal ignora-a, só o homem a conhece» (6), tendo-a em mente não quando vive o instinto, mas quando o subordina a um fim. Será inútil recordar quão numerosos são os  casos em que a fecundação da mulher amada não foi nem procurada nem de modo algum desejada. Ridículo seria, pois, se pretendêssemos associar o fator «genésico» às grandes figuras de amantes da história ou da arte, àquelas que são habitualmente consideradas como os modelos mais elevados do amor humano: Tristão e Isolda, Romeu e Julieta, Paolo e Francesca, e outros, e nos fossem apresentados em situações de perfeita felicidade, com um filho, ou coroados até de numerosa prole. Um personagem de Barbey d'Aurevilly afirmava a propósito dum casal de  amantes que nunca teve filhos: «Amavam-se de mais. O fogo devora, consome e  nada produz.» Interrogada se teria pena de não ter filhos, a mulher respondeu: «Não, não quero! Os filhos só servem para as mulheres infelizes.»

A  verdade  encontra-se  nestas palavras cheias de humor expressas por  alguém:

«Ao acordar na presença de Eva, Adão não se põe a gritar como o obrigaria a fazer qualquer senador contemporâneo: "Esta é a mãe dos meus filhos, a deusa do meu lar!" E até quando o desejo de ter filhos representa um papel fundamental no estabelecimento de relações entre o homem e a mulher, verificamos que entram em jogo neste caso considerações baseadas na reflexão e na vida social, não sendo possível considerá-lo como um instinto a não ser no sentido muito especial,  metafísico, de que adiante falaremos (cf. pág. 84 e ss.). Mesmo no caso em que um homem e uma mulher se unem para dar à luz um filho, não é decerto esta idéia que os obceca no momento da união, não é ela certamente que os excitará e exaltará no ato sexual (7). Poderá ser que no futuro as coisas se passem de outro modo e que,  em homenagem à moral social, ou até à moral católica, se procure, na tendência que tem por limite a fecundação artificial, reduzir ou simplesmente eliminar o fator irracional e perturbador constituído pelo puro fato erótico: neste caso, porém, ainda menos se deverá falar de instinto. O fato verdadeiramente importante é a atração que nasce entre dois seres de sexo diferente, com todo o mistério e toda a metafísica que isso implica; é o desejo que um sente pelo outro, o impulso irresistível para a união e a posse, no qual atua, obscuramente — como já indicamos e como veremos mais em pormenor — um impulso ainda mais profundo. Em tudo isto a idéia de   «reprodução» Os casos em que, juntamente com uma sacralização das uniões, se tendia nas civilizações antigas para uma fecundação desejada e consciente, ligada a estruturas simbólicas e a fórmulas evocatórias (como por exemplo na Índia e no Islã) constituem uma exceção. Voltaremos a este assunto em capítulos posteriores. Contudo, também nestes casos se faziam, no próprio mundo clássico, distinções não somente entre as uniões que tendiam para este fim e as outras, como também entre as mulheres a utilizar num caso e nos outros. São atribuídas a Demóstenes as seguintes palavras no discurso que proferiu contra Neera: «Temos as heteras para a voluptuosidade, as concubinas para a cura diária do corpo, as mulheres para nos darem filhos legítimos e nos cuidarem fielmente da casa.»

está totalmente excluída como fator de consciência.

Será oportuno citar neste contexto algumas observações pertinentes feitas por Solovieff. Este autor chamou a atenção para o erro em que incorre aquele que pensa ter o amor sexual a sua razão de ser precisamente na multiplicação da espécie, não servindo senão de veículo para tal. Muitos organismos, tanto do reino animal como do vegetal, multiplicam-se de modo assexuado: o fator sexual intervém não na multiplicação dos organismos em geral, mas sim na dos organismos superiores. Eis porque o «sentido da diferenciação sexual (e do amor sexual) não deve ser procurado na idéia da vida da espécie e da sua multiplicação, mas tão somente na idéia de organismo superior». E ainda «quanto mais se sobe na escala dos organismos, tanto mais decresce o seu poder de multiplicação e aumenta a força da atração sexual... Finalmente, no ser humano, a multiplicação verifica-se em menores proporções do que no restante reino animal, enquanto que o amor sexual atinge a máxima importância e intensidade,>. Parece, pois, que «o amor sexual e a multiplicação da espécie estão em razão inversa: quanto mais forte é um dos dois elementos, tanto mais fraco é o outro» — e ao considerarmos as duas extremidades da vida animal, se no limite inferior encontramos a multiplicação, a reprodução sem qualquer amor sexual, no limite superior, no vértice, encontrar-se-á um amor sexual cuja existência, como verificamos há pouco, é possível a par duma exclusão completa da reprodução em todas as formas de grande e intensa paixão (8). Verifica-se constantemente que «a paixão sexual comporta quase sempre um desvio do instinto... por outras palavras, nessa paixão a reprodução da espécie é, de fato, quase sempre evitada». Isto significa que se trata aqui de dois fatos diferentes, o primeiro dos quais não pode  ser
apresentado  como  meio  ou  instrumento  do  outro.  Nas  suas  formas  típicas superiores o eros tem um caráter autônomo, imprevisível, cuja autonomia não fica prejudicada por tudo quanto, no domínio do amor físico, possa ser exigido materialmente para a sua ativação.

Metafisica do sexo - Amor e sexo



Depois desta premissa geral metodológica passemos à delimitação do objeto principal do nosso estudo.
Não é o fato sexual nos seus aspectos grosseiros e físicos que o constitui. E uma vez que nos referimos essencialmente ao homem, o que é posto em causa é o fenômeno mais vasto e mais complexo do amor. Impõe-se, como é natural, estabelecer imediatamente uma delimitação, pois é possível falar de amor  num sentido genérico, dado que existe o amor pelos pais, pela beleza, pela pátria, o amor maternal, etc.; existe também uma concepção ideal ou sentimental do amor em que este se esfuma no simples afeto, na comunhão humana intersexual, ou nas afinidades intelectuais. Para concretizarmos a nossa idéia convém, pois, utilizar o conceito mais limitado de amor sexual. Examinaremos, assim, uma experiência humana que pode compreender um conjunto de fatores psíquicos, afetivos, morais e mesmo  intelectuais, que excedem o domínio biológico, mas que têm por centro natural de gravidade  a  união efetiva de  dois seres do  sexo     oposto,  tal  como ela se efetua habitualmente no ato sexual.

Fizeram-se, com efeito, distinções entre as diversas formas de amor humano. É bem conhecida a que foi utilizada no século XIX, por Stendhal, dum amor-paixão,  dum amor de ordem principalmente estética e de gosto, dum amor físico, e dum amor baseado na vaidade. Esta distinção dificilmente pode utilizar-se, pois baseia-se, em parte, em elementos periféricos que aparecem disjuntos de toda a experiência profunda, no momento em que um deles, não importa qual, se torna o fator verdadeiramente predominante; trata-se, em parte, simplesmente de distinguir os diferentes aspectos do fenômeno erótico tomado no seu conjunto. O amor que pode interessar ao nosso estudo é essencialmente o amor-paixão — pois este, afinal, é o único que merece o nome de amor. A este tipo de sentimento poderia aplicar-se a definição de Bourget de que «existe um estado mental e físico durante o qual tudo fica obliterado em nós, no nosso pensamento, no nosso coração e nos nossos sentidos. Chama-se amor a este estado» (1). O amor físico no sentido indicado por Stendhal pode apresentar-se como uma variedade distinta de amor, com a condição de se pressupor um processo de dissociação e de «primitivização», e constitui, em geral, parte integrante do amor--paixão. Considerado separadamente representa o limite inferior deste último, conservando, sempre, porém, a sua natureza.

De um modo geral, importa-nos fixar aqui este ponto fundamental: a diferença entre a nossa concepção e a concepção «positivista» está na interpretação diferente, não física ou biológica, do significado da união sexual, porque à parte este fato nós vemos igualmente nesta união o fim essencial e a conclusão de toda a experiência baseada na atração entre os sexos, o centro de gravidade de cada amor.

No amor, as afinidades ideais, a devoção e a afeição, o espírito de sacrifício, as manifestações elevadas do sentimento, podem representar um papel importante; contudo,  do  ponto  de  vista  existencial,  tudo  isto  representa  qualquer  coisa   de «diferente», ou qualquer coisa de incompleto se, em contrapartida, não existir essa atração que costuma chamar-se «física» e cuja conseqüência é a união dos corpos e   o traumatismo do ato sexual. É neste momento que se obtém, por assim dizer, o precipitado, a passagem ao ato e à consumação num ponto culminante ou climax,  que é o seu terminus ad quem natural, de todo o conjunto da experiência erótica propriamente dita. Quando através da atração «física» surge o impulso sexual, movem-se, no ser, os estratos mais profundos, camadas estas existencialmente elementares em relação ao simples sentimento. O amor mais elevado entre os seres de sexo diferente é, de certo modo, irreal, sem essa espécie de curto-circuito cuja forma de aparição mais grosseira é o climax do orgasmo sexual, competindo-lhe, contudo, delimitar a dimensão transcendente e não individual do sexo. É verdade que um amor puro pode também transcender o indivíduo — através, por exemplo, da dedicação contínua e absoluta e de toda a espécie de auto-sacrifício; porém, somente como uma disposição espiritual que só poderá frutificar concretamente num outro plano: não numa experiência através dum ato, não numa sensação, mas quase que numa fratura real do ser. No domínio a que nos referimos, as camadas profundas do ser só são, repetimo-lo, atingidas e ativadas da união efetiva dos sexos.

Por outro lado, o fato de estarem geralmente ligadas à sexualidade a simpatia, a ternura e outras formas de amor «não material», não representa muitas vezes senão sublimações, transposições ou desvios regressivos infantis — e esta é uma idéia que podemos inscrever no ativo das pesquisas psicanalíticas e que não devemos esquecer.

Deveremos, todavia, tomar posição contra a concepção que considera a passagem do amor sexual ao amor de características principalmente afetivas e sociais, baseado na vida a dois, com matrimônio, família, descendência, etc., como um progresso e um enriquecimento. Existencialmente, tudo isto não apresentará um sinal mais, mas sim um sinal menos, ou seja, uma queda intensa de nível. Nestas formas perde-se, ou mantém-se somente por reflexo, o contato, embora obscuro, com as forças primordiais. Como veremos adiante, um amor colocado neste plano — o plano nietzschiano «demasiadamente humano» — não passa dum sucedâneo. Com ele o homem cria, do ponto de vista metafísico, uma solução ilusória para essa necessidade de confirmação e de integração ontológica que constitui o fundo essencial e inconsciente do impulso do sexo. Schiller escreveu: «A paixão passa, o amor deve ficar.» Não poderemos ver nisto senão um pis-aller (2) e um dos dramas da condição humana, pois só a paixão poderá conduzir ao «momento fulgurante da unidade».

Metafisica do sexo - EROS E AMOR SEXUAL - O preconceito evolucionista



É evidente que o significado que deve atribuir-se ao sexo depende não só do  modo como, em geral, se concebe a natureza humana, mas também da antropologia particular que se adota. O caráter desta antropologia não poderia deixar de refletir-se sobre o próprio conceito do sexo. Assim, o significado que pode apresentar a sexualidade, do ponto de vista duma antropologia que reconhece ao homem a dignidade dum ser não exclusivamente natural, será, por exemplo, necessariamente oposta àquele atribuído por uma antropologia que o considera como uma das numerosas espécies animais, numa época em que — como disse H. L. Philp  — pareceu conveniente escrever Seleção Natural com maiúsculas, tal como se fazia outrora com o nome de Deus.

O enquadramento da sexologia ressente-se, num período mais recente e até nos atuais tratados com pretensões «científicas», da herança do materialismo do século XIX, que teve por premissas o darwinismo e o biologismo, ou seja, uma imagem completamente deformada e mutilada do homem. Do mesmo modo que, segundo estas teorias, o homem teria derivado do animal por «evolução natural», também a sua vida sexual e erótica era exposta em termos de um prolongamento dos instintos animais, e explicada, no seu fundo último e positivo, pelas finalidades puramente biológicas da espécie.

Assim, afirmou-se também neste domínio a tendência moderna de reduzir o superior ao inferior, de explicar o superior pelo inferior — no caso presente, o  humano pelo fisiológico e animal.

Para os gostos mais delicados interveio em seguida a psicanálise, que fez entrar  em linha de conta o elemento psicológico, confirmando, porém, a mesma tendência. Com efeito, para a antropologia psicanalítica, o fundo do homem é sempre constituído por um elemento pré-pessoal e subpessoal — o 'mundo do inconsciente, do instinto, do «Es», dos arquétipos arcaicos que reconduzem a uma ancestralidade primitiva. É em função deste fundo ou subfundo que os psicanalistas pretendem explicar tudo o que no homem se tinha anteriormente considerado como vida psíquica autônoma: e, com mais força de razão, tudo quanto se refere ao amor e ao sexo.

As nossas premissas serão completamente diferentes. O ponto de partida não será a teoria moderna da evolução, mas sim a doutrina tradicional da involução. Para nós, e neste caso, não é o homem que descende do macaco por evolução, mas o   macaco

que descende do homem por involução. Como para um De Maistre, também para nós os povos selvagens não são povos primitivos, no sentido de povos originais, mas sim os restos degenerescentes, crepusculares, noturnos, de raças mais antigas, inteiramente desaparecidas. Tomaremos por certo aquilo que, de resto, pressentiram recentemente vários investigadores revoltados contra o dogma evolucionista (Kohlbrugge, Marconi, Dacqué, Westenhöfer, Adloff): mesmo nas espécies animais devem reconhecer-se as especializações degenerativas em que se esgotaram certas possibilidades inerentes ao ser humano primordial, isto é, os subprodutos do verdadeiro processo evolutivo, que desde o início se centralizou no homem. Contudo, a ontogênese — a história biológica do indivíduo — não é, de modo algum, a  repetição da filogênese — a presumível história evolutiva da espécie; ao contrário, percorre de novo as possibilidades eliminadas, detendo-se nos esboços, prosseguindo e subordinando estas possibilidades ao princípio superior e especificamente humano que, no desenvolvimento do indivíduo, se define e manifesta cada vez mais.

As diferenças fundamentais de métodos e horizontes que derivam destas  premissas recortam-se com clareza relativamente ao nosso problema. A sexualidade humana não será por nós considerada como um prolongamento da sexualidade  animal — tentaremos, ao contrário, explicar esta em si própria, nos animais e tal  como eventualmente se apresenta também no homem — como a queda e a  regressão dum impulso que não pertence a esfera biológica. Do ponto de vista metafísico, será assim que as coisas se nos irão deparar relativamente ao chamado «instinto de reprodução» e à própria «vida da espécie». Eles de forma alguma representam o fato principal, não passando de meros derivados.

Metafisica do sexo - O sexo no mundo moderno



  Antes de abordarmos este assunto será talvez oportuno fazer umas breves considerações relativas à época em que o presente livro foi escrito. O papel que o sexo desempenha na civilização atual é sobejamente conhecido, e assim poder-se-ia, sem dúvida, falar atualmente duma espécie de obsessão do sexo. Em tempo algum a mulher e o sexo ocuparam tão insistentemente o primeiro plano. Dominam sob mil formas diversas a literatura, o teatro, o cinema, a publicidade, toda a vida prática contemporânea. A mulher é apresentada sob mil aspectos, para  constantemente atrair o homem e o intoxicar sexualmente. O strip-tease, costume americano trazido para a cena e oferecendo o espetáculo duma jovem que lentamente se despe, despojando-se uma a uma das peças de vestuário mais íntimas até ao mínimo necessário para manter nos espectadores a tensão própria a esse «complexo de espera», ou estado de suspense, que a nudez imediata, completa e impudica destruiria, tem o valor dum símbolo que resume tudo aquilo que nos  últimos períodos da civilização ocidental se produziu em todos os domínios sob o signo do sexo. Utilizaram-se para este efeito os recursos da técnica. Os tipos femininos mais fascinantes e excitantes já não são, como outrora, conhecidos apenas nos espaços restritos dos países onde vivem ou onde se encontram. Atualmente esses tipos são cuidadosamente selecionados e exibidos de todas as maneiras possíveis pelo cinema, as  revistas,  a  televisão, os  desenhos  animados, etc.,  e,  sob  a  forma  de atrizes,
«estrelas» e misses, tornam-se o centro dum erotismo cujo raio de ação é internacional e intercontinental, ao mesmo tempo que é coletiva a sua zona de influência, não povoando as camadas sociais que noutros tempos viviam dentro dos limites duma sexualidade normal e anódina.

Importa pôr em relevo o caráter de celebridade desta pandemia moderna do  sexo. Não se trata de impulsos mais violentos que se manifestam apenas no plano físico, dando origem, como em épocas passadas, a uma vida sexual exuberante, desinibida e até mesmo libertina. Hoje em dia o sexo impregnou, pelo contrário, a esfera psíquica, produzindo nela uma gravitação constante e insistente no sentido da mulher e do amor. Deste modo ter-se-á como pano de fundo, no plano mental, um erotismo que apresenta dois caracteres importantes: em primeiro lugar o caráter duma excitação difusa e crônica, quase que independente de toda a satisfação física concreta, visto perdurar como excitação psíquica; em segundo lugar, e em parte como conseqüência de tal, este erotismo poderá até coexistir com uma castidade aparente.   Relativamente   ao   primeiro   destes   dois   pontos,   constitui   um fato


característico pensar-se atualmente muito mais no sexo do que em épocas passadas, quando a vida sexual era muito menos livre e os costumes, limitando ainda mais  uma livre manifestação do amor físico, poderiam justamente levar a esperar essa intoxicação mental que é, afinal, típica dos nossos dias. Quanto ao segundo ponto, são muito significativas certas formas femininas de anestesia sexual e de castidade corrompida relacionadas com o que a psicanálise denomina variedades narcíseas da libido. Trata-se dessas jovens modernas para quem a exibição da nudez, a acentuação de tudo quanto as possa apresentar como motivo de atração para o homem, o culto do corpo, a maquiagem e tudo o mais, constituem o interesse principal, proporcionando-lhes um prazer transposto que é preferido ao prazer específico da experiência sexual normal e concreta, até provocar uma espécie de insensibilidade relativamente a esta experiência e, em certos casos mesmo, uma recusa neurótica (4) Estes tipos femininos deverão ser contados entre as fontes que em mais alto grau alimentam a atmosfera de luxúria cerebral crônica e difusa do nosso tempo.

Tolstoi disse um dia a Gorki: «Para um francês existe, acima de tudo, a mulher. É um povo extenuado e destrambelhado. Os médicos afirmam que todos os tísicos são sensuais.» Excluindo o caso dos franceses, permanece contudo verdadeiro o fato da propagação pandemica do interesse pelo sexo e pela mulher marcar cada era crepuscular, e deste fenômeno constituir, nos tempos modernos, um dos muitos indícios de que esta época representa precisamente a fase mais aguda e final dum processo de regressão. Mais não poderá fazer-se do que relembrar as idéias formuladas pela antiguidade clássica, baseadas numa analogia com o organismo humano. No homem, a cabeça, o peito e as partes inferiores do corpo são, respectivamente, os centros da vida intelectual e espiritual, dos impulsos da alma  que vão até à capacidade heróica e, finalmente, da vida do ventre do sexo. Correspondem-lhe três principais formas de interesse, três tipos humanos e, poder- se-ia mesmo acrescentar, três tipos de civilização. É evidente que, nos tempos  atuais, e por efeito duma regressão, se vive numa civilização em que o interesse predominante já não é de ordem intelectual ou espiritual, nem mesmo heróico ou qualquer outro relacionado com as manifestações superiores da afetividade, mas sim aquele, subpessoal, determinado pelo ventre e pelo sexo. Estamos, assim, sob a ameaça de se tornar verdadeira a frase infeliz dum grande poeta, para o qual seriam a fome e o amor que dariam forma à história. O ventre é, atualmente, a base de todas as lutas sociais e econômicas mais características e desastrosas. A sua contrapartida  está,  como  acima  mencionamos, na acentuada importância que tem nos nossos dias a mulher, o amor e o sexo.

A antiga tradição hindu das quatro idades do mundo oferece-nos, na sua formulação tântrica, um outro testemunho.

Uma das características fundamentais da última destas idades, daquela  que tomou o nome de idade obscura (kali-yuga), seria a de Kâlî ter sido nela   despertada  isto  é,  libertada inteiramente, ficando  a  época  marcada  pelo  seu  signo.  

A doutrina tântrica formula, a este respeito, uma ética e indica uma via que em épocas anteriores deveria ter-se condenado, ou então mantido secreta: a de transformar o veneno em remédio. Tal não sucede, porém, na atualidade, pois ao considerarmos o problema da civilização não devemos criar ilusões baseadas em perspectivas deste gênero. O leitor verificará mais adiante a que plano se referem as possibilidades que acabamos de assinalar. De momento podemos apenas reconhecer a pandemia do sexo como um dos sinais de caráter regressivo dos tempos atuais: pandemia cuja contrapartida natural é essa ginecocracia, essa proeminência tácita de tudo o que é direta ou indiretamente condicionado pelo elemento feminino e cujas manifestações na nossa civilização indicamos igualmente em outras ocasiões (5).
Neste contexto particular, aquilo que será posto em evidência relativamente à metafísica e à utilização do sexo, não poderá servir, contudo, senão para fixar alguns pontos de vista, conhecidos os quais teremos a revelação direta, verificada também neste domínio, da queda do nível interior do homem moderno.