É evidente que o significado que deve
atribuir-se ao sexo depende não só do
modo como, em geral, se concebe a natureza humana, mas também da
antropologia particular que se adota. O caráter desta antropologia não poderia
deixar de refletir-se sobre o próprio conceito do sexo. Assim, o significado
que pode apresentar a sexualidade, do ponto de vista duma antropologia que
reconhece ao homem a dignidade dum ser não exclusivamente natural, será, por
exemplo, necessariamente oposta àquele atribuído por uma antropologia que o
considera como uma das numerosas espécies animais, numa época em que — como
disse H. L. Philp — pareceu conveniente
escrever Seleção Natural com maiúsculas, tal como se fazia outrora com o nome
de Deus.
O enquadramento da sexologia
ressente-se, num período mais recente e até nos atuais tratados com pretensões
«científicas», da herança do materialismo do século XIX, que teve por premissas
o darwinismo e o biologismo, ou seja, uma imagem completamente deformada e
mutilada do homem. Do mesmo modo que, segundo estas teorias, o homem teria
derivado do animal por «evolução natural», também a sua vida sexual e erótica
era exposta em termos de um prolongamento dos instintos animais, e explicada,
no seu fundo último e positivo, pelas finalidades puramente biológicas da
espécie.
Assim, afirmou-se também neste
domínio a tendência moderna de reduzir o superior ao inferior, de explicar o
superior pelo inferior — no caso presente, o
humano pelo fisiológico e animal.
Para os gostos mais delicados
interveio em seguida a psicanálise, que fez entrar em linha de conta o elemento psicológico,
confirmando, porém, a mesma tendência. Com efeito, para a antropologia
psicanalítica, o fundo do homem é sempre constituído por um elemento
pré-pessoal e subpessoal — o 'mundo do inconsciente, do instinto, do «Es», dos arquétipos arcaicos que
reconduzem a uma ancestralidade primitiva. É em função deste fundo ou subfundo
que os psicanalistas pretendem explicar tudo o que no homem se tinha
anteriormente considerado como vida psíquica autônoma: e, com mais força de
razão, tudo quanto se refere ao amor e ao sexo.
As nossas premissas serão
completamente diferentes. O ponto de partida não será a teoria moderna da
evolução, mas sim a doutrina tradicional da involução. Para nós, e neste caso,
não é o homem que descende do macaco por evolução, mas o macaco
que descende do homem por involução. Como para um De
Maistre, também para nós os povos selvagens não são povos primitivos, no
sentido de povos originais, mas sim os restos degenerescentes, crepusculares,
noturnos, de raças mais antigas, inteiramente desaparecidas. Tomaremos por
certo aquilo que, de resto, pressentiram recentemente vários investigadores
revoltados contra o dogma evolucionista (Kohlbrugge, Marconi, Dacqué,
Westenhöfer, Adloff): mesmo nas espécies animais devem reconhecer-se as
especializações degenerativas em que se esgotaram certas possibilidades
inerentes ao ser humano primordial, isto é, os subprodutos do verdadeiro
processo evolutivo, que desde o início se centralizou no homem. Contudo, a
ontogênese — a história biológica do indivíduo — não é, de modo algum, a repetição da filogênese — a presumível
história evolutiva da espécie; ao contrário, percorre de novo as possibilidades
eliminadas, detendo-se nos esboços, prosseguindo e subordinando estas
possibilidades ao princípio superior e especificamente humano que, no
desenvolvimento do indivíduo, se define e manifesta cada vez mais.
As diferenças fundamentais de métodos
e horizontes que derivam destas
premissas recortam-se com clareza relativamente ao nosso problema. A
sexualidade humana não será por nós considerada como um prolongamento da
sexualidade animal — tentaremos, ao
contrário, explicar esta em si própria, nos animais e tal como eventualmente se apresenta também no
homem — como a queda e a regressão dum
impulso que não pertence a esfera biológica. Do ponto de vista metafísico, será assim que as coisas se nos irão deparar
relativamente ao chamado «instinto de reprodução» e à própria «vida da espécie».
Eles de forma alguma representam o fato principal, não passando de meros
derivados.
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