Por milênios, uma figura tem suscitado diferentes emoções no imaginário ocidental, em especial nos domínios da cristandade.
Esta figura é
Lúcifer, o arqui-demônio, Senhor das hostes infernais, tentador e inimigo mor
da humanidade, o mais belo Anjo, precipitado no abismo por sua soberba. O fogo
divino, o brilho do Sol, o Logos transubstanciado no fogo infernal, o fogo que
redime transformado no fogo da danação eterna.
Mas o quanto
disso é real, ainda mais quando estamos abordando o terreno movediço do mito,
da religião e, por conseguinte, da demonologia.
O nome Lúcifer
é composto pelo prefixo indo-europeu Leuk, que determina um ser luminoso, claro
e puro, origem da palavra lux e, consequentemente, de luz e lucidez. O sufixo
latino fero, por sua vez, significa trazer, portar.
Lúcifer
(Eósforos, Fósforos) dos romanos, filho de Zeus e de Aurora, era o deus que
anunciava um novo dia. É conhecido como o portador do Archote, da Luz, o que
anuncia a vinda do Sol , a estrela-d'alva. Na astronomia, é o planeta Vênus que
se torna visível nos crepúsculos. No nascer, é conhecido como a estrela d'alva
e, no poente, como Vésper. Vênus é a deusa do amor em todas as suas formas,
aparentada com as mesopotâmicas Ishtar e Inanna.
Lúcifer nunca
foi tido por maléfico, muito menos associado com as potências infernais, tanto
é assim que havia um bispo em Cagliari chamado Lúcifer, que viveu por volta do
ano 300 E.V.* fundador do Luciferianismo.
A atribuição
de Lúcifer como Demônio e Anjo caído veio depois, e foi criada pelos "pais
da Igreja".
A Igreja
adaptou a sua maneira passagens do Antigo Testamento para serem atribuídas à
Queda de Lúcifer.
Eles
"interpretavam" (hermenêutica) as escrituras do Antigo Testamento
pelas do Novo Testamento.
Desta forma,
passagens do Novo Testamento, como: "Mas ele lhes disse: Eu vi Satanás
caindo do céu como um relâmpago" (Lc 10: 18), influenciaram o Antigo
Testamento: "Como caíste do céu, ó estrela da manhã, filho da alva! Tu que
destruía as nações!
Tu dizias em
seu coração: Subirei ao céu, acima do firmamento das estrelas de Deus,
exaltarei meu trono, e no monte da congregação me sentarei nos limites do
norte.
Subirei acima
das nuvens mais altas, e serei igual ao Altíssimo.
Em verdade
fosse precipitado para o reino dos mortos, no abismo mais profundo.
(Isaías 14: 12 a 15).
(Isaías 14: 12 a 15).
Essas
passagens de Isaías eram destinadas ao célebre rei babilónico Nabucodonosor,
que havia destruído Jerusalém. Helel bem Shahar é a designação hebraica
referindo-se, de forma alegórica, à "Queda da Estrela Dalva" .
Há outras
passagens interessantes, como uma endereçada ao rei de Tiro. Por mais que ela
tenha alvo definido (o rei), ela evoca talvez uma lenda anterior, unindo o
destino do monarca ao de um Querubim expulso das hostes celestes.
Tu eras
Querubim da guarda ungido, te estabeleci, ficaste no monte santo de Deus, entre
as pedras brilhantes caminhava.
Tu eras
perfeito em teus caminhos, desde o dia em que foste criado, até que se
encontrou iniqüidade em ti.
Multiplicando
vosso comércio encheu seu âmago de violência, e pecaste; por causa disso te
deitarei profanado fora da montanha de Deus, te farei perecer, ó Querubim da
guarda, em meio ao brilho das pedras.
Elevaste teu
coração por causa da tua beleza, conspurcaste vossa sabedoria por causa de teu
resplendor. (Ez 28:14-17)
Mas qual teria
sido o motivo da Patrística ter escolhido Lúcifer, e não qualquer outro?
Existem alguns pontos Mágickos e Ocultos que devem ser abordados. Especialmente
a relação entre Vênus e Lúcifer, e consequentemente com o demoníaco.
Há um fato
peculiar, a criação dos demônios, (Qliphoth, conchas, força desequilibrada), de
acordo com o Judaísmo, deu-se na sexta-feira da criação (os sete dias em que,
de acordo com a Torah, Deus criou o mundo), momentos antes do sagrado Shabat.
Neste mesmo dia,
foi criada a raça humana, e se deu a sua Queda . Ou seja, na mesma sexta-feira,
Adão foi criado e cedeu a concupiscência. No calendário judaico, Adão pecou no
primeiro dia de Tishrei (Rosh Hashaná, primeiro e segundo dia de Tishrei), e é
justamente neste dia, todos os anos, que os homens são julgados por seus atos.
O mês de
Tishrei corresponde à tribo de Dan, esta por sua vez ao signo de Libra, que é
regido por Vênus. Sem falar que, tradicionalmente, a sexta-feira é o dia
consagrado à Vênus (dia de Vênus, Hemera Aphrodites grego, Vendredi, francês e
Venerdi em italiano).
Dando asas à
imaginação, notaremos que o pecado original estava envolto em correlações
venusianas. A maçã é dada ao homem por sua companheira, o resultado da Queda é
a descoberta da sexualidade, a sedução da serpente, dentre outros.
Outro elemento
de ligação entre Vênus e o demoníaco é a Queda dos Anjos. Eles caíram
justamente por acharem belas as mulheres humanas e serem atraídos por elas. Os
Anjos as possuíram e desta união nasceu uma raça de gigantes, fortes e
poderosos, os Nephilins (ver Gênesis 6:1 a 4). A palavra deriva de Naphal,
descer, sendo que podemos entender Nephilins como os que desceram ou caíram.
Na Bíblia, são
citados os Filhos de Deus (os Anjos), em hebraico Beni Elohim (possivelmente a
melhor tradução fosse filhos dos deuses).
Os Beni
Elohins são correspondentes a Sephira Hod (que tem como planeta Mercúrio, o
tradicional mensageiro dos deuses) na Cabala, o complemento de Netzach, que é
Vênus e os próprios Elohins.
Inferimos que
os caídos são Arcanjos, que são a Hoste de Hod, e não só por isso, pois no
Livro de Enoch** é mencionado que Miguel, Uriel, Rafael e Gabriel (Arcanjos)
observaram do céu os efeitos dos caídos.
O Livro de
Enoch é um apócrifo e uma pseudoepigrafia, e narra, dentre outras coisas, a
Queda dos Anjos chefiados por Semjâzâ (um proto-Lúcifer?).
Os Anjos
Caídos ensinaram inúmeras artes a humanidade, Azazel como trabalhar os metais,
e Semjâzâ, a Magia. Os outros ensinaram astrologia, astronomia e signos.
Azazel
continuou seu magistério ensinando aos humanos os segredos sagrados que estavam
guardados no Paraíso.
O titã Cronos
castra seu pai Urano e joga seus genitais no mar. Do sangue misturado a espuma
do mar nasce Afrodite (Vênus). Logo em seguida ela foi saudada pelas criaturas
do mar, nereidas, tritões. A deusa surge de dentro de uma concha.
Teve como
irmãs as infernais Erínias (Fúrias), criadas pelas gotas do sangue de Urano
caídas na terra. As Erínias eram seres que até Zeus respeitava os desígnios.
São
representadas como mulheres aladas, porém serpentes.
Retomando a
Igreja, notaremos que estes pontos expostos podem ter motivado a
"escolha" de Lúcifer.
Que os
cristãos sabiam das implicações de Vênus, é evidente pelo título conferido a
Lúcifer, príncipe da luxúria espiritual. Cada Sephiroth da Árvore da Vida
cabalística tem um "vício" e o de Netzach (Vênus), por sua vez, é a
Luxúria.
De acordo com
o Concílio de Latrão, os poderes do demônio são iguais aos dos outros anjos,
possivelmente devido a sua origem comum. Igualmente para a Igreja, diabos e
demônios são a mesma coisa.
O conceito de
Mal se modificou com o passar do tempo. Notamos que no mundo antigo o que
prevalecia era o monismo.
Deus ou os
deuses eram responsáveis tanto pelo bem como pelo mal, sendo a fonte de tudo. O
Universo era percebido como uno e não dividido entre um deus do bem e um deus
do mal, ou entre Deus e o diabo.
Podemos tomar
por base o próprio Iavé do Antigo Testamento, que em suas próprias palavras
dizia: "Eu sou o Senhor e não há outro, alem de mim não existe Deus";
"Eu sou o Senhor e não há outro, Eu formo a luz e crio as trevas, Eu faço
o bem e crio o mal, Eu, o Senhor, faço todas estas coisas" (Isaías
45:5-7).
Quando eu
afiar a minha espada reluzente, e tomar em mãos o juízo, tomarei vingança
contra meus inimigos e darei o merecido castigo aos que me odeiam.
Encharcarei as
minhas setas de sangue, e minha espada se fartará de carne, do sangue dos
mortos e dos cativos, das cabeças dos chefes inimigos. (Dt 32: 41,42).
Suas crianças
serão esmagadas em frente a eles, suas casas saqueadas, e suas mulheres
estupradas. (Isaías 13:16)
Em um dia em
que os filhos de Deus apresentaram-se diante do Senhor, Satanás veio com eles.
Senhor perguntou a Satanás: "Por onde
andastes?". Satanás respondeu: "De passear pela terra". O Senhor
continuou: "Viste meu servo Jó? Não há na terra ninguém semelhante a ele,
integro, correto e temente a Deus, e não trilha o caminho do Mal".
Então Satanás
falou: "Por que Jó teme a Deus? Por acaso não o protegeu de todas as
formas, a ele, a sua casa e a tudo quanto tem? A obra de suas mãos abençoaste,
e multiplicaram seus bens na Terra.
Estende tua
mão e toca-lhe em tudo que é dele, e verás que blasfemará contra Ti".
Disse o Senhor
a Satanás: "Tudo que é dele está em seu poder, mas contra ele não faça
nada, e Satanás sai para cumprir a sua missão. (Jó 1: 6-12).
Reforcei os
aspectos "negativos" de Jeová demonstrando o lado sombrio do Deus de
judeus, cristãos e muçulmano.
O monismo tem
uma vantagem óbvia, não há o mal absoluto. Desta forma, tanto os princípios que
compõem o Cosmos quanto os que compõem o indivíduo podem ser harmonizados e
integrados, sem maiores prejuízos. Justamente o contrário do que aconteceu no
seio do Cristianismo, por exemplo, com inquisições, "guerras santas"
e outros. O mal é vivenciado no outro, e assim, pode ser erradicado (assim como
outro pode ser morto).
A primeira
religião a quebrar a harmonia do monismo foi o Zoroastrismo, criado no Irã por
volta de 600 a.C . Nele há início o dualismo; o Universo está fragmentado em
duas partes, uma "boa" e outra "má", um deus da luz e um
deus das sombras. Este pensamento influenciou os judeus e os gregos e,
conseqüentemente, os cristãos.
No
Cristianismo, o mal é atribuído e projetado ao Diabo, enquanto Deus só faz
coisas boas.
Assim, o diabo
ganha autonomia e poder perante Deus, remetendo-nos novamente a uma forma de
pensar que lembra o dualismo iraniano.
Por mais que o
diabo seja inferior a Deus, ele pode corromper a criação e torna-se o senhor do
mundo. Partindo do pressuposto de que a matéria é essencialmente má, assim como
as "necessidades da carne", o campo de batalha é a alma humana,
afinal de contas, a corrupção principia mesmo no Antigo Testamento, com o ato
de insubordinação de comer da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, o que
poderia, de acordo com as palavras da serpente confirmadas por Deus,
transformá-los em deuses. (Genesis 3: 22) Então disse o Senhor Deus: "Eis
que o homem se tornou igual a um de nos, conhecedor do bem e do mal; assim sendo,
para evitar que tome da Árvore da Vida e coma o seu fruto e viva
eternamente". O Senhor Deus o lançou fora do Jardim do Éden...
Deus é
onisciente, onipresente e onipotente, desta forma, o diabo age por que Deus
permite. Se Deus fosse humano, poderia-se acusá-lo legalmente de cumplicidade
em todos os "delitos" do maléfico.
A desculpa
descoberta pelos cristãos é a seguinte: Deus criou o diabo, mas ele, em origem,
não era Mal, o diabo escolheu ser mal.
Isso
tecnicamente isentaria Deus do problema de ter criado o Mal ao criar o diabo.
Só que esta história tem problemas óbvios, se Deus é onisciente, ele saberia o
que estava por vir e mesmo assim não fez nada.
Tratando o
assunto de uma forma mais leve, é de se imaginar que um filho traga a genética
do Pai, então, mesmo o diabo tendo se tornado " Mal" depois, este
predicado já estaria em latência nele.
Dionísio, um
monge sírio do século VI, foi o primeiro a detalhar as hierarquias dos Anjos.
São divididos em três tríades, sendo elas (em grau de grandeza) Serafins,
Querubins e Tronos, a intermediária Dominações, Virtudes e Potestades e a
última composta de Principados, Arcanjos e Anjos.
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